Apesar da aprovação do arcabouço fiscal, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem impulsionado os gastos públicos, adotando uma política fiscal expansionista. Ao mesmo tempo, o Banco Central (BC), agora comandado por Gabriel Galípolo, afirma que apenas reage ao cenário da economia, destacando que o aumento das despesas estimula a inflação e pedindo mais “harmonia” com a política monetária – isto é, com a definição da taxa de juros.
Com a proximidade das eleições de 2026, o governo tem acelerado o ritmo de estímulo à economia, com medidas como:
- Liberação de recursos retidos no FGTS;
- Novas regras para crédito consignado ao setor privado;
- Ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda.
📌 BC reage ao crescimento acima do potencial
Segundo o Banco Central, a economia brasileira está crescendo acima do chamado “PIB potencial” – o nível em que a atividade pode se expandir sem gerar pressões inflacionárias. O BC atua de forma reativa, ou seja, ajusta os juros conforme as expectativas de inflação.
A meta de inflação é de 3% ao ano, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem ser oficialmente descumprida. Quando os gastos públicos crescem demais, como tem ocorrido, o BC mantém os juros elevados para tentar conter a inflação.
⚠️ Descompasso entre políticas econômicas
Há um descompasso evidente entre:
- Política fiscal: aumento dos gastos públicos;
- Política creditícia: estímulo ao crédito e ao consumo;
- Política monetária: juros altos para conter inflação.
Esse conflito acontece desde o início do mandato de Lula, como se governo e Banco Central estivessem “remando em direções opostas”. O resultado é uma maior dificuldade para controlar a inflação e um impacto negativo sobre a dívida pública.
▶️ A dívida pública é altamente sensível aos juros:
- R$ 3,5 trilhões da dívida são indexados à Selic;
- R$ 1,1 trilhão têm taxa prefixada, próxima da Selic;
- Um aumento de 1 ponto percentual na Selic representa R$ 45 bilhões a mais em juros da dívida em 12 meses.
Atualmente, a dívida do setor público está em 75,9% do PIB (R$ 9,1 trilhões). Pelos critérios do FMI, que incluem títulos em posse do próprio BC, o número sobe para 88,3% do PIB.
💬 O que dizem os economistas
Rafael Cardoso, do Banco Daycoval:
“Se não houvesse uma política fiscal tão expansionista, o BC teria espaço para praticar juros menores. Como os gastos mantêm a atividade aquecida, o Banco Central precisa adotar uma postura mais conservadora.”
Rafaela Vitoria, do Banco Inter:
“A inflação subiu de 3,5% para 5,5% em 12 meses. Mesmo com juros altos, a política fiscal expansionista dificulta o controle da inflação. Os gastos cresceram R$ 400 bilhões por ano desde o fim do governo Bolsonaro.”
Ela recomenda maior disciplina fiscal, incluindo:
- Desvinculação dos gastos de saúde e educação das receitas;
- Fim dos aumentos reais do salário mínimo.
🏛️ O que diz o governo
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, defende que é possível crescer mais de 3% ao ano no governo Lula. Ele reconhece que há estímulo, mas aponta que há responsabilidade com o novo arcabouço.
✅ Medidas de estímulo anunciadas:
- PEC da transição: ampliou o limite de gastos em R$ 170 bilhões por ano;
- Reajuste real do salário mínimo;
- Pisos vinculados à receita para saúde e educação;
- Pagamento de precatórios (R$ 92,3 bilhões em 2023/24);
- Reajuste a servidores públicos;
- Ampliação do Minha Casa Minha Vida;
- Liberação de FGTS retido e crédito consignado para setor privado;
- Proposta de isenção de IR até R$ 5 mil (em debate no Congresso).
🔒 Arcabouço fiscal
Criado para substituir o teto de gastos, o novo arcabouço limita o crescimento real das despesas a 2,5% ao ano. No entanto, a elevação dos gastos obrigatórios, como o salário mínimo e os pisos constitucionais, compromete a eficácia da regra.
O governo chegou a enviar ao Congresso um pacote de contenção de despesas, mas especialistas avaliam que ele não é suficiente para manter o arcabouço viável.
“O arcabouço já é insustentável. O problema é o crescimento dos gastos obrigatórios. Sem reformar isso, voltamos ao mesmo dilema do teto de gastos”, disse Rafaela Vitoria.
🏦 Banco Central: política precisa de harmonia
Enquanto o governo tenta acelerar o crescimento, o BC insiste que desacelerar a economia é necessário para controlar a inflação. Segundo o diretor Diogo Guillen, “há sinais de moderação”, mas ainda insuficientes.
Na última ata do Copom, o BC afirmou:
- O “hiato do produto” continua positivo — ou seja, a economia cresce além do potencial;
- Há estímulo fiscal significativo nos últimos anos;
- Os juros altos já afetam a geração de empregos;
- A política fiscal deve ser considerada no desenho da política monetária.
“O Comitê reafirma que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas. É necessário haver harmonia entre a política monetária e fiscal”, concluiu o documento.