Café bom do Brasil vai todo para fora? De onde vem essa ideia e como o Tarcísio Meira ajudou a mudar essa imagem​

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Afinal, café bom vai todo pra fora do Brasil?
O café bom que o Brasil produz é todo exportado? Com o tarifaço de Donald Trump sobre os produtos brasileiros, surgiu a dúvida se vai ter mais “café de qualidade” no país, caso as vendas para os EUA caiam. Mas não é bem assim. A história de que só o café ruim fica aqui e o bom vai embora está ultrapassada. Ela pode ter sido verdade no passado, mas isso, definitivamente, não reflete a realidade atual. Quando Parreiras fala de passado, ele se refere aos anos 1980. Naquele período, o governo controlava pouco a qualidade do café, abrindo espaço para inúmeras fraudes, como a mistura de cevada e milho aos grãos, segundo um artigo publicado pelo Inmetro em 1998. 🏷️ Naquela época, o governo também fixava preços para controlar a inflação. “E isso desestimulava o mercado a buscar qualidade porque, independentemente do café colocado na embalagem — fosse ele de baixa ou altíssima qualidade —, o preço final seria o mesmo”, lembra Parreiras. Os produtores acabavam direcionando os melhores grãos para outros países, que pagavam mais do que o governo brasileiro. Mas essa história começou a mudar em 1989, quando o governo transferiu para a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) a responsabilidade de fiscalizar o mercado, conta o atual presidente da entidade, Pavel Cardoso. Preocupada com a queda do consumo de café no país entre os anos 60 e 80 — justamente pela baixa qualidade —, a Abic começou a exigir que as empresas produzissem pacotes feitos com 100% de grãos de café. As indústrias em conformidade passaram a receber o **Selo de Pureza da Abic**. Foi nesse momento da história que o ator Tarcísio Meira entrou em cena, protagonizando diversas propagandas da associação. “Por trás desse selo, só tem café”, dizia o artista nas campanhas. As peças publicitárias passavam até em novelas, como em *Tieta*, em 1990. — ☕ E o café especial?
A partir dos anos 1990, com o fim da intervenção estatal nos preços e avanço da fiscalização, produtores brasileiros começaram a olhar mais para o mercado interno e a investir na produção de grãos de mais qualidade, conta o pesquisador do IAC. Em 1991, foi fundada a **Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)**, um segmento da indústria que produz cafés com grãos 100% maduros, e que não podem ter nenhum defeito. É um tipo de café mais caro e que é sim mais exportado do que vendido no Brasil, apesar de o consumo interno ter crescido, conta o diretor-executivo da BSCA, Vinicius Estrela. Em 2015, por exemplo, somente 1% do grão especial produzido no Brasil era consumido internamente. Hoje, essa parcela é de 15%. “Em alguns mercados, o café especial é mais forte porque são mercados de renda mais alta, como Europa, EUA, Japão, Coreia do Sul”, explica Estrela. — ➡️ Como era o mercado nos anos 80
A produção de café no Brasil tinha pouco foco em qualidade até os anos 80, diz Parreiras. Na época, o órgão responsável por gerir as políticas públicas do setor era o **Instituto Brasileiro do Café (IBC)**, fundado em 1952 e extinto em 1989. “O IBC controlava meramente preço e volume”, relata o presidente da Abic, Pavel Cardoso. Uma lei de 1978 já estabelecia um limite de tolerância de até 1% de impurezas, mas a fiscalização, a cargo do próprio IBC, era ineficiente. Esse cenário, somado a um período longo de seca em 1986, que reduziu a produção, criou um ambiente propício para fraudes. Em 1989, por exemplo, 30% do volume total de café comercializado no Brasil era fraudado, ou seja, continha impurezas, segundo uma pesquisa da Abic. Hoje, esse percentual é menor que 1%, diz a entidade. — 📊 Preços fixos e pesquisas de opinião
O tabelamento de preços também não ajudava. “Os torrefadores não tinham incentivo porque não poderiam repassar essa diferença ao consumidor. Não havia espaço para segmentar o mercado ou fomentar o consumo de cafés de qualidade”, reforça Parreiras. A formação de estoques de café era outro fator que “jogava contra” a qualidade, comenta o diretor-executivo da BSCA, Vinicius Estrela. “Por um bom tempo, o Brasil produziu excedentes de café, que eram comprados pelo IBC para garantir estabilidade de preços.” De tempos em tempos, parte do café estocado era vendido no mercado interno. “E, evidentemente, cafés com tanto tempo de armazenagem não eram bons cafés”, observa. Tudo isso fez o café chegar ao final dos anos 80 com fama de ruim entre os brasileiros. Se, em 1965, cada pessoa consumia 4,8 kg de café por ano, em 1989, essa quantidade caiu para 2,27 kg, segundo o Inmetro. Uma pesquisa de 1987, encomendada pela Abic ao Vox Populi, constatou que, para o consumidor brasileiro, “todo o café era igual”, “a maioria tem mistura” e que “o melhor produto era exportado”. — 🏅 Selo de Pureza e Tarcísio Meira
Em 1989, o governo extinguiu o IBC e passou para a Abic a responsabilidade de autorregular o mercado. Preocupada com as pesquisas de opinião, a associação lançou o **Selo de Pureza**, exigindo que as indústrias só produzissem pacotes com 100% de grãos de café. 🔍 Para isso, a Abic passou a fazer auditorias nas empresas associadas. As que seguiam as regras podiam colocar o selo da entidade em seus pacotes. A associação também passou a recolher amostras de pacotes em supermercados para fiscalizar possíveis fraudes. “Empresas que não atendiam às especificações eram notificadas, advertidas, suspensas ou até expulsas. Para não associados, a Abic acionava o Ministério Público”, detalha Cardoso. Ele destaca que as propagandas com Tarcísio Meira, veiculadas “durante cinco anos ininterruptos”, foram muito importantes para construir a imagem do café brasileiro. — ✅ Como é feito o controle de qualidade hoje
O selo da Abic foi aprimorado ao longo dos anos. Atualmente, as indústrias precisam passar por quatro etapas de análise para obter a certificação: 1. **Microscópica** – avalia a pureza do café, identificando se há adição de outros ingredientes; 2. **Sensorial** – os cafés são provados às cegas por especialistas e classificados por tipo: tradicional, extraforte, superior, gourmet e especial; 3. **Auditoria de boas práticas** – avalia higiene e qualidade do processo de fabricação; 4. **Monitoramento na gôndola** – amostras são coletadas diretamente das prateleiras, sem aviso prévio. — Outro marco importante aconteceu em 2023, quando o governo federal voltou a participar da regulamentação do mercado, com a publicação da **portaria 570**, que estabeleceu novas regras para a composição do café torrado. A norma mais conhecida é o limite de até 1% de impurezas, mas a portaria é mais ampla e detalhada que a lei de 1978, destaca Cardoso, que ajudou na elaboração da medida. Ele afirma que o controle iniciado há 36 anos incentivou agricultores a investirem na qualidade dos grãos, abrindo espaço para o desenvolvimento de cafés premiados no mundo todo.

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